What are people (in universities) for?

Para que servem as pessoas (nas universidades)?

De acordo com o termo cunhado por Stefan Collini (2012) [i], a dimensão da investigação que suporta a ação docente atualizada, inovativa e criativa no ensino superior, pode ser catalogada pelas Edspeak buzzwords, isto é: “competitive, ground-breaking, cutting-edge, relatable, applicable, impactful, transferable, research cluster grant-winning, profit-generating, and easily packaged for media coverage”.

De facto, o ensino superior não escapou a tendências de reforma neoliberais, passando a operar de acordo com mecanismos de mercado e princípios de racionalidade económica (Vicente & Stoleroff, 2016) [ii].

Os efeitos da corporativização da academia avançam a todo o gás, a par das responsabilidades ligadas à docência, com práticas de incentivo à produção científica reconhecida nos rankings e ratings de revistas científicas, com prémios monetários para os autores e o cumprimento anual dos índices de publicação pelos investigadores dos centros de investigação I&D. Tudo isto com elevado impacto no financiamento das mesmas e respetiva avaliação de mérito, com projetos nacionais e internacionais, que requerem mais e mais financiamento.

E está bem assim. Não é possivel ser um bom professor sem ser um investigador, um cientista.  Mas, sem tempo, no frenesi dos múltiplos projetos e publicação de papers, o que parece urgir nem sempre reflete um impacto importante para a comunidade cientifica e civil. Se o potencial impacto dos projetos fosse avaliado à priori talvez, na academia, pudessemos ser mais seletivos e focados na qualidade da investigação, em detrimento da sua quantidade.

Mas infelizmente, a academia está refém de práticas predatórias que parecem legitimar ambientes de competição entre pessoas da mesma instituição, abrindo espaço quer para uma idolatria do “ego” do investigador, quer para o êxtase da performance individual como o caminho mais curto para o que foi considerada a competição meritocrática na Academia.

A que custo? A máquina corporativa opera com sucesso e a gestão pública na academia detém recursos punitivos, com exemplo na avaliação docente e da oferta formativa, na precariedade contratual, entre outros, com o objetivo máximo de aumentar a eficácia, a produtividade, o prestígio e, consequentemente o fluxo de novos candidatos a ingressar nas instituições.

Chamemos-lhe antes recursos de incentivo e temos um cenário de culto da velocidade na academia (Berg & Seeber, 2016) [iii]. Mas temos também um cenário que afeta o clima das relações interpessoais nas instituições, um clima agreste que não se torna propício aos projetos colaborativos entre professores investigadores, e tão ricos na sua interdisciplinaridade, quando acontecem. O designado “holding environment” é coisa da velha guarda em algumas universidades, outrora comunidades académicas, em que se produzia e transmitia conhecimento, nas quais o mérito era baseado na erudição, na liderança académica e geridas pelo poder colegial (Deem, 1998) [iv].

A Academia do século XXI conhece as suas fragilidades, mas não reconhece os perigos de uma precariedade que impele para a instrumentalização do Outro para o cumprimento de indexes de produção individual, para o atropelo da Ética do Tempo, do “time sickness” (Honoré, 2004) [v], para a apatia crescente perante exigências de trabalho sobre-humano.

A instrumentalização, o “recorrer” ao Outro quando já não há tempo para satisfazer essa exigência sozinho e continuar como membro oleado da engrenagem. O Outro é-me útil. Assistimos a uma erosão moral das relações entre os profissionais da academia e a estruturas de poder cada vez mais complexas e persuasivas.

O rosto humano do professor investigador esmorece face aos alunos, que esperam mais destes profissionais. Mais tempo, mais disponibilidade, mais empatia.

Encontro neste desafio uma comparação com o desafio cultural, espiritual e educativo no campo da Educação e Espiritualidade Ecológicas que, como afirma o Papa Francisco, implicará longos processos de regeneração. Assim como “o mercado tende a criar um mecanismo consumista”, o paradigma capitalista da academia dos out-puts, da velocidade e dos modelos neoliberais de produtividade tende a gerar “indivíduos autorreferenciais, que se isolam na sua própria consciência e aumentam a sua voracidade”[vi].

Assim, em vez de cultivar valores de desenvolvimento humano integral, tanto na dimensão individual como comunitária, assistimos a formas de degradação moral e egoísmo coletivo.

Uma nova conversão para a Humanitude [vii] nos contextos académicos precisa-se.

---

[i] Collini, S. English Pasts: Essays in Culture and History. Oxford: Oxford University Press, 1999.– What Are Universities For? London: Penguin, 2012.

[ii] Stoleroff, A. & Vicente, M. (2014), “Avaliação do desempenho em tempos de austeridade”, VIII Congresso Português de Sociologia, Évora, Associação Portuguesa de Sociologia

[iii] Berg, M., & Seeber, B. K. (2016). The slow professor: Challenging the culture of speed in the academy. University of Toronto Press.

[iv] Deem, R.; Hillyard, S. & Reed, M. (2007), Knowledge, Higher Education, and the New Managerialism. The Changing Management of UK Universities, Oxford, Oxford University Press.

[v] Honoré, C. In Praise of Slow: How a Worldwide Movement Is Challenging the Cult of Speed. Toronto: Vintage, 2004.

[vi] Francisco, P. (2015). Laudato SI’: Segunda Carta encíclica do Sumo Pontífice Francisco: Sobre o Cuidado da Casa Comum. Paulus, Lisboa.

[vii] Jacquard, A. (1988). A herança da liberdade: da animalidade a humanitude. Martins Fontes

---

---